quarta-feira, 30 de junho de 2010
Entrevista com o poeta Nicolas Behr
Na manhã do dia 3 de junho, o poeta Nicolas Behr participou do 8º Salão do Livro do Piauí – Salipi – com a palestra “A poesia é necessária?”. Em um papo livre e interativo, o poeta distribuiu poemas, vendeu livros, falou um pouco sobre sua vida e a poesia que o instiga. Porém, antes da sua fala no Theatro 4 de Setembro, tive a oportunidade de lhe entrevistar durante os 20 minutos que faltavam. Agradeço aos professores Feliciano Bezerra (Fifi) e à Jasmine Malta por terem me ajudado a encontrar o poeta. Resolvi mirar minhas perguntas em torno do seu controverso livro Umbigo, pois, nele, Behr dialoga com a literatura brasileira, cita muitos autores, critica, se exibe, copia, elogia, parafraseia e, sobretudo, provoca o leitor nas suas mais de 80 páginas.
Thiago E
Nicolas Behr – [manuseando o livro Umbigo] Esse aqui é o meu pior e o meu melhor livro... Ele tem uma coisa engraçada. Eu vou à Faculdade e falo Caraca! ...como que ainda choca o “cofrinho”.
Fifi – Jura, cara?!
Nicolas Behr – É. Em pleno 2010 ainda tem isso. Nós estamos em 2010, gente! É um “cofrinho”... Esse livro eu fiz em uma semana.
Thiago E – Eu o comprei em Brasília.
Nicolas Behr – Cê andou lá?
Thiago E – Minha banda, a Validuaté, foi tocar lá e...
Nicolas Behr – “Vaedouté”?
Thiago E – Va-li-du-a-té: vem daquelas expressões de rótulo “válido-até janeiro de não sei de quê...”
Nicolas Behr – Ah! Validuaté. Entendi.
Thiago E – É. A gente juntou e escreveu como se fala: com “i” e com “u”. Numa palavra só. Fomos fazer um show pra divulgar a banda.
Nicolas Behr – Foi no Nação Piauí?
Thiago E – Nação Piauí, exatamente!
Nicolas Behr – Eu sempre vou lá na Nação Piauí, mas não sei onde eu tava... No CONIC, né?
Thiago E – Tocamos em alguns lugares: naquele prédio Brasil21 e em um bar que eu nem sei onde é chamado Rayuela.
Nicolas Behr – Rayuela, 412, Sul.
Thiago E – Pois pronto. Foi lá que tinha o livro. Era um show só pra divulgação. A gente ía ganhar quase nada. Eu acabei ganhando acho que R$ 30,00... cada músico. Aí eu comprei teu livro (risos)... mais outro do Ferreira Gullar. Porque eu tinha lido no Peregrino do Estranho que tu tinha dito: “o Umbigo é o meu melhor livro”. Rapaz, pois tenho que ler.
Nicolas Behr – O melhor e o pior, né?
Thiago E – Eu li até marcando os versos mais...
Nicolas Behr – Ah, não! Esse aqui não tem autógrafo ainda não. Tem que ter autógrafo.
Thiago E – É, esse aqui ainda não tem autógrafo.
Nicolas Behr – É “thiago” com “th”?
Thiago E – É. Aí eu fui lendo, me diverti à beça.
Nicolas Behr – Esse livro eu fiz em uma semana, cara. Eu fiquei doido quando terminei. Eu não queria terminar. Eu ía fazer até o volume 2, mas aí ía ficar besta. O único livro que eu escrevi num fluxo... porque é muito difícil aparecer esse momento. Vendo televisão, no banheiro, no banco, vendo televisão com meu filho – jogo de futebol, sei lá, qualquer coisa...
Thiago E – Visitei teu site pouco tempo depois que eu tinha comprado o livro e tu já tinha acrescentado alguns versos “minha poesia pode ser Antônio, pode ser Fagundes, pode ser Arnaldo, pode ser Antunes” (risos).
Nicolas Behr – Eu mostrei pro Arnaldo... Mostrei isso pra ele uma vez...
Thiago E – Ele disse o quê?
Nicolas Behr – Ele achou legal. Foi numa peça em Brasília. Eu gosto dele. O Antunes é gente boa... É “thiago” com “th”?
Thiago E – Hum rum.
Nicolas Behr – Você quer publicar isso onde?
Thiago E – Eu faço parte de um grupo de poesia e temos um blog chamado Poesia Tarja Preta. Queria ver se tu pode me dar uma palavrinha pra pôr no blog.
Nicolas Behr – Vamo lá!
Thiago E – Quando tu começou a escrever? A poesia chegou ou tu foi até ela?
Nicolas Behr – Quando eu era criança, na escola eu via certas coisas, entre aspas, “erradas”. Falava pra professora “ih, professora, tá errado aqui”. E a professora falava assim “olha, isso é licença poética”. Aí eu falava “é, mesmo? eu vi isso aqui e não tá certo”!!! Ela falava “é licença poética”. Eu acho que isso que me levou, dez anos depois, oito anos depois – a escrever poesia... em Brasília... porque isso foi em Cuiabá. Em Brasília eu comecei a escrever porque Brasília é uma cidade muito estranha, né? Uma cidade diferente. Então a minha resposta pro impacto que Brasília me causou foi a poesia. Eu tentei ser guitarrista de rock’n roll, mas não sei tocar guitarra. Todo jovem quer ser pop star, né? Isso com 15 ou 16 anos. Aí eu comecei a escrever. Eu já lia bastante poesia.
Thiago E – Lia o quê?
Nicolas Behr – Ah! Eu lia tudo. Lia muito Drummond, 26 Poetas Hoje, Leminski, Chacal... depois fui conhecendo mais... Lia muito Pessoa, gostava muito de João Cabral.
Thiago E – Que ano era esse?
Nicolas Behr – 76. 75 a 76. Aí, em 77, eu lancei meu primeiro livrinho mimeografado Iogurte com Farinha. Viajei com esse livro, vim aqui ao Piauí em abril de 78, eu tinha 19 anos. Eu lembro bem. Passei aqui uma semana vendendo o livrinho em bar, dando entrevista, indo em colégio. Vendia a 1 real, 2 reais. Hoje ele não valeria mais que 3 reais, um livrinho desse. Era bem baratinho. E era bom. Fomos a Timon, tomamos banho pelado no Parnaíba... Rubervam Du Nascimento... essa turma. Era uma coisa revolucionária, na época. Era novidade o poeta vender livro, o poeta se apresentar. A turma da geração mimeógrafo trabalhou muito na coisa da desmistificação, o poeta como um ser superior, ou um ser distante, de outro planeta, um ser intocável. Esse academicismo que ainda temos bem forte. Mas o próprio poeta às vezes contribui pra isso. Auto-mistificação, sabe? Então, eu gosto muito de quebrar essa coisa porque isso distancia as pessoas do poeta, da poesia.
Thiago E – Behr, o que geralmente falam a teu respeito que te deixa chateado?
Nicolas Behr – Ah! Que eu sou um poeta sem rigor, que eu sou um cara esculhambado. Não, cara!
Thiago E – E onde tá o teu rigor?
Nicolas Behr – O rigor tá no não-rigor. Pra chegar no não-rigor, rapaz, é um rigor muito grande. As pessoas confundem o simples com o superficial. O simples é muito difícil. É mais fácil complicar. Mas eu entendo que as pessoas passando a primeira vista assim, né? Porque a poesia tá muito ligada ao hermético. E não! Eu acho que o grande poeta é simples, com profundidade, e eu tento trabalhar muito o humor. O humor é o espalhante-adesivo, é o que faz o poema aderir na pessoa e já cola. A cola do poema é o humor, a ironia, facilita o pregar na memória.
Thiago E – Por isso eu tava te falando: quando eu li o Umbigo eu não queria parar por causa disso. Por exemplo, tu dizia “minha poesia – os jasmins da palavra jamais. Ei, mas isso é de Murilo Mendes... Ah! então é minha poesia também” (risos).
Nicolas Behr – Esse livro é uma reciclagem.
Thiago E – Tinha uma hora também que tu dizia “minha poesia suporta o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.
Nicolas Behr – hã rã!
Thiago E – Eu: “caralho, que verso bonito”! Em seguida tinha “minha poesia queria tanto ter escrito a linha aí de cima, mas foi Drummond que escreveu” (risos).
Nicolas Behr – É. Ali tem um diálogo, tem uma conversa. Esse livro é interessante porque ele testa os limites do narcisismo e muita gente não entende isso.
Thiago E – Te acham até pedante...
Nicolas Behr – É verdade. Mas eu falo “minha poesia é pedante, mas você continua lendo... porra!” (risos). Eu não vou reescrever, se não vai ter o volume 2... Uma coisa que é uma limonada forte acaba virando uma coisa aguada... É um livro que eu gostei de escrever porque fiquei imaginando: se um Drummond, um Manuel Bandeira tivesse a liberdade de escrever um desse, o que não sairia? O que seria um Drummond e um Bandeira escrever um livro como o Umbigo “minha poesia...” Encher 80 páginas e se dar a liberdade de se permitir brincar com o narcisismo, brincar com o leitor, brincar consigo mesmo, sacanear com esse negócio de “minha poesia é de primeira linha...”, “minha poesia não é de segunda”, “às vezes, minha poesia é terceira categoria”. Auto-esculhambação é uma coisa da nossa geração. Auto-esculhambação é uma coisa muito nossa. Não é auto-flagelação!
Thiago E – É quando você ri de si.
Nicolas Behr – Isso aí já impede de muita porrada, também. É um muro que você coloca. É um escudo. O cara vai te bater... “peraí, eu já me bati”!
Thiago E – Ainda no Umbigo: “minha poesia escala o time: Drummond e Bandeira contra Rimbaud e Ezra Pound. Vai ser moleza”. Isso é uma rejeição ao Rimbaud, ao Pound?
Nicolas Behr – Os brasileiros às vezes não são tão valorizados. Rimbaud é o poeta dos poetas, tá lá no Olimpo, né? Mas eu gosto mais do Drummond! O Drummond é mais porrada! Eu acho... muito mais. O mal-estar que o Drummond me causa, o Rimbaud não me causa. É o grande poeta das imagens pápápá. É uma unanimidade. Falar mal do Rimbaud é uma coisa... Ninguém chegou tão longe nas imagens... que ele criou. Tudo bem. Mas eu gosto mais dessa coisa pé no chão. O Drummond é aquela coisa mais agreste. A poesia do Drummond te machuca mais. A do Rimbaud não. A do Drummond é mais ferina, te corta, arranca pedaço. O Rimbaud não arranca pedaço... Mas é provocação. É tudo provocação.
Thiago E – Pois é. Eu pensei: o Ezra Pound foi um dos poetas que apareceram pelos irmãos Campos e tal, e no Umbigo tem “minha poesia até hoje espera um elogio dos irmãos campos... sentada”.
Nicolas Behr – É pura provocação. O concretismo fez coisas boas. Cada poeta, cada movimento que chega tem uma proposta. E os outros que chegam aproveitam o que tem. Os concretistas foram caros em muita coisa que não havia antes: o espaço branco na página! Um elemento novo. A gente viu o espaço em branco da página e “Opa!”.
Thiago E – O branco sendo silêncio também...
Nicolas Behr – É... uma coisa que ninguém tinha sacado. O Manoel de Barros chega e põe o inútil, a inutilidade das coisas. E o João Cabral aquela coisa do agreste... Aí a poesia mais nova retomando o Oswald, mamou no Oswald. É sempre um retomar porque a tradição é feita de rejeições. A tradição é alimentada pela tentativa de quebrar a tradição. Eu vejo isso bem. Só que eu não vou virar aquilo que sempre condenei. Eu, hoje, já tenho tese, mestrado, sou chamado aqui e sou quase um veterano, a gurizada me chama de tio (risos)... Aquela coisa do beletrismo, academicismo, né? Você acaba virando uma referência, assim. Mas isso aí é tranqüilo trabalhar.
“um dia, fui numa escola falar pra gurizada sobre poesia e um aluno disse assim: ‘Professora, isso aí não é poesia não... Eu entendi tudo!”
Thiago E – Behr, como tu recebe essas críticas que os poetas da geração 70 não leram muito, não lêem... como tu vê isso?
Nicolas Behr – Poeta não gosta muito de ler, poeta quer mais é escrever. Mas eu acho que é bom ler! O pessoal me perguntou uma vez “como poeta, qual o conselho que você daria”? Eu falei assim “Ler, ler, ler. Escrever, escrever, escrever. Rasgar, rasgar, rasgar”. Aí eu fui num colégio e falei isso “Ler, ler, ler. Escrever, escrever, escrever. Rasgar, rasgar, rasgar”. Aí o menininho falou assim “Não tio. É deletar, deletar, deletar” (risos). A gente usou uma coisa interessante que foi a influência não literária, sabe? Uma influência que foi da leitura, obviamente, mas também do vídeo game, do vídeo clipe, do rock, da MPB, das letras. Teve várias influências ou confluências, como diria o Mário Quintana, fora do ambiente literário. Eu acho que leu, mas o tempo não pára, é uma outra geração. Leu assim: sei quem foi Camões e Os Lusíadas. Se você me perguntar se eu li tudo, não li. Já li o começo, já folheei e tal... sei do que se trata. Dizem que você só pode romper com a tradição conhecendo a tradição. Mas hoje a velocidade da informação é tão grande que não dá pra conhecer ela toda. Dá pra ter uma idéia. O tempo é muito rápido, cada vez mais rápido. Agora com internet então a coisa tá com uma velocidade estonteante. Eu sempre falo nos colégio “gente, vai ao Orkut, na comunidade do Fernando Pessoa...”.
Thiago E – Aí já dá uma luz nova.
Nicolas Behr – É, a linguagem é essa: “vai no Orkut... começa pelo Orkut... mas você não vai ficar só no Orkut, não!” É um começo, né?
Thiago E – É mesmo. Eu sou professor de língua portuguesa, redação, literatura... e sempre que vou dar um exemplo eu também levo pra esse mundo deles “no MSN a gente escreve desse jeito. Isso aqui vem disso... ôba!” Quando eu falo MSN, a turma já fica em silêncio.
Nicolas Behr – A turma “Professor... tem Orkut”! Bacana.
Thiago E – Te perguntei sobre “a crítica de não ter lido muito” porque o Leminski tem um poema em que ele já responde isso.
[telefone toca] Nicolas Behr – Oi, oi! ... bom dia. ...Ôba, tudo bom, minha amiga... não... mas pode falar. to longe. to no Piauí, pode falar........... hum......... hã rã....... você tá pela pista....... você sabe onde é aquele ferro velho barbosa, lá em cima..... sabe? depois do São Cristóvão... é melhor você ir lá. Depois do ferro velho Barbosa tem uma pista que desce... chega lá em baixo tem o quê? ........... vai reto. é uma pista larga. Na hora que chegar lá embaixo, vire à direita, segunda chácara. Tá bom? é fácil. tá bom. Valeu. Beijo. Tchau.
Nicolas Behr – Então o Leminski responde com um poema...
Thiago E – Ele diz “poeta marginal / é quem escreve na entre linha / sem nunca saber direito / quem veio primeiro / o ovo ou a galinha”.
Nicolas Behr – É.
Thiago E – Tu também fala “minha poesia é a poesia experimental de um poeta não-experimental”. E quem fala sobre isso é o Piva, quando ele diz “eu só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental”.
Nicolas Behr – Tem umas coisas aí que são uns conflitos. Por exemplo, o Torquato diz que “um poeta não se faz com versos”. Isso foi muito marcante pra gente. A gente colocou dentro do poema uma coisa que não vai permanecer: a atitude do poeta. Mas isso não vai permanecer porque, daqui a cem anos, vai ficar o que tá escrito. Meu lema é “vale o que tá escrito”. O Piva tem lá a vida experimental dele e tal, mas o que vai ficar não é a vida experimental do Piva, é o texto escrito, sabe? Isso aí é mais outra provocação.
Thiago E – Eu te perguntaria mais coisas, mas tu já vai falar. Me diz: o século XXII te dará razão?
Nicolas Behr – Olha, nós somos todos póstumos. É um consolo. Nosso consolo é esse. A gente vive nessa ilusão e essa ilusão faz a gente viver: nós somos todos póstumos e a melhor coisa que pode acontecer com o poeta é morrer. Poeta bom é poeta morto. Então: republicado, antologia, nome de rua, nome de escola. Essa ilusão alivia e consola. Ela é um combustível. A pessoa viver é ir ali na esquina e voltar. Tudo pra gente é mais difícil. A poesia dá uma leveza, é uma bengala psíquica pra seguir em frente, tocar sua vida, mas essa ilusão é importante. Na verdade não é uma ilusão, é uma fantasia. Fantasia de que a gente vai ter reconhecimento futuro, de não sei o quê. Mesmo que não tenha. Mas a gente alimenta tudo. Essa ilusão é boa. Eu acho que ela faz parte. Tem um poema meu sobre a vida em 2070: “estaremos todos mortos / estaremos todos errados”.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
li essa entrevista no A.O. Nunca ame senti tão à vontade ao ler um entrevista. Muito boa.
obrigadón, maria... querida maria!
no final das contas, drummond veio e arrebentou com todo mundo.
não sei como o sistema ainda insiste em fabricar poetas.
não precisamos de poetas, mas de outro sistema, sem essa babaquice de capitalismo, socialismo, comunismo, troicalismo, reumatismo...
(kkkkkkkkkkkk viajei total)
dadina.
bjo!
Postar um comentário