foto - André Leão
PAULO RICARDO, estudante do mestrado de história da ufpi,
fez uma pequena entrevista conosco.
valeu pela oportunidade, paulo! confira:
Primeiramente gostaria que você se apresentasse (nome, idade, profissão/ocupação, ...)
Quaresma – 28 anos, natural de União, músico, artista plástico e publicitário.
Thiago E – 25 anos, poeta, músico, professor, driblador de gagueira.
Percebe-se, por assim dizer, uma característica da banda em certas composições usar de um refinado lirismo poético para falar de coisas do cotidiano e em outras (ou muitas vezes na mesma composição) usam de sentenças simples para, do mesmo modo, falar do mesmo cotidiano e/ou de situações corriqueiras. Quais são as inspirações para as composições da banda (letras e música) e quais suas referências?
Quaresma – Para a composição de todo o trabalho da banda nós somamos as experiências de cada músico, as referências que cada um pode trazer para a construção de uma nova síntese. É claro que isso nem sempre é possível em todas as músicas, mesmo porque algumas nascem dentro de um estilo que demanda certo respeito à manutenção de seus elementos, e mesmo porque não há como pôr tudo num único lugar sempre. Assim há as canções que são mais “bregas”, outras mais samba, outras mais reggae, e outras estritamente mais rock. Quanto à poética, ou ao texto propriamente dito, os caminhos percorridos são determinados pelas temáticas que deram origem a cada canção. Se a música é de abandono, e tem um tom mais sério, não é adequado o uso de expressões que denotem humor. É uma questão de decoro. Se num mesmo texto, ou numa mesma letra, há a convivência de momentos mais eruditos (ou mais poéticos) e outros mais populares (e mais prosaicos), em geral um é pra “tirar onda” do outro. Isso nasce das leituras do mundo e das literaturas que nos acompanham desde os tempos de colégio até os momentos de descanso numa rede de tucum, no terraço, sob a sombra de um pé de jambo, numa tarde quente, logo depois do almoço.
Thiago E – As ins-pirações são variadas. Quaresma e eu compomos as canções da banda. Vazin ajudou a compor a música O HERMETO E O GULLAR e meu intuito é que o grupo inteiro componha também. Gosto bastante desse ambiente de criação orgânica, total. Um ideal de invenção grupal. No meu caso, particularmente, me ins-pira falar de coisas ou situações inusitadas, irônicas. Me interessa pegar um tema, um assunto – por exemplo o mar – e investigar muitas maneiras de descrevê-lo: o mar parece um pano / faz ondas de todo tamanho / tal qual o pano quando está ventando ou o mar rumina a terra o tempo todo. O Quaresma geralmente trata de relacionamentos, uma relação amorosa. E eu ainda não sei fazer música assim. Vou aprender [risos]. Mas nós 2, por exemplo, temos a mesma inclinação para o humor. Aliás, a Validuaté inteira (John Well, Vazin, Jr e Davi) tem um senso de humor maravilhoso. Não tratamos a expressão artística de um modo sério. As pessoas confundem os significados das palavras: ser sério é uma coisa; ser responsável é outra. O próprio Nietzsche diz que todos sabem que a seriedade de muitos é pra esconder a incompetência... Realmente – o riso, muitas vezes, é desvalorizado, menosprezado. Quantas verdades sérias não foram ditas rindo? E assim cada experiência pessoal, um susto, uma gagueira, poemas, filmes, uma tontura, uma leitura vai instigando o processo criativo.
Até que ponto o fato de ter profissionais de Letras na banda influencia no que é escrito?
Quaresma – Considerando que as letras foram compostas em quase sua totalidade por mim e pelo Thiago E, há que se considerar que no mínimo nós brincamos com o que estudamos e exercitamos algum mimetismo do que admiramos da obra de grandes compositores/escritores. Sabe quando a gente lê um bom texto, um bom verso, ou escuta uma boa música e diz pra si mesmo: puxa, como eu queria ter feito essa música (ou esse texto, ou esse verso)!? Depois desse espanto bom, ou por exercício ou por encantamento, as composições surgem. Às vezes inteiras e musicalmente completas (letra, melodia e harmonia), às vezes em forma de texto, que pode decidir-se unicamente poema, ou tornar-se letra de uma nova canção. Ah, e existe (é claro) o alerta para os deslizes gramaticais. O que estiver de estranho nesse aspecto, tenha certeza que é proposital.
Thiago E – Não sei. Não acho que as músicas são melhores porque profissionais de Letras fizeram as músicas. Tem muito profissional de Letras que não escreve nada e tem profissionais de outras áreas, ou pessoas que sequer são profissionais, que tem um apuro com a linguagem poética impressionante! Cartola só terminou o primário. Patativa do Assaré se alfabetizou só aos 12 anos e não seguiu escolaridade formal... Quantos artistas competentíssimos não construíram uma obra longe da escola? O que importa é você se interessar por uma linguagem e investigá-la, sentir prazer nessa prática artística e, aos poucos, você vai aprumando sua estética, seu sotaque próprio. Não foi o curso de Letras que me fez gostar de poesia, de escrever. Eu já gostava e resolvi fazer o curso. Na verdade, me iludi: eu não pensava em ser professor, em estar construindo uma carreira profissional. Eu queria mais era ler e aprender. Fazer o curso foi um pretexto pra ficar perto da literatura. Quando eu tinha 17 anos, se eu soubesse quanto um professor ganha, teria feito outro curso e continuaria com a poesia da mesma forma [risos]. E, obviamente, o que acabei vendo no curso, na biblioteca, acabei transferindo isso para as músicas que fiz – só, ou em parceria com Quaresma. Porém curso nenhum garante nada. E o que garante? Cada caso é um caso. São muitas variantes: família, renda familiar, amizades, sorte, talvez genética, uma boa escola com professores bem pagos...
PELOS PÁTIOS PARTIDOS EM FESTA |2007|
Como você definiria o estilo da banda? Por quê?
Quaresma – Desde que nos propusemos a formar o grupo, e decidimos criar o próprio trabalho, sabíamos que a base de tudo seria rock, mas não seria possível permanecer em um único estilo. Por opção nossa, o que é uma das maiores vantagens de nosso trabalho, a liberdade de criação nos afasta de permanecer em um rótulo único. Na verdade o estilo da banda é justamente o que a afasta de ficar em um estilo só. Mas nós dizemos que é rock, porque ele está no meio de nós.
Thiago E – Não definiria. Pra que definir? Por que se encerrar em um rótulo? Eu posso marcar um “x” na categoria “outros”? A arte tem uma importância imensurável na minha vida. Arte é prazer. Arte não é definida. Temos várias versões. O prazer não é definido. A vida não é definida. O problema é que no sistema capitalista, de consumo, tudo que existe tem que servir para alguma coisa. Por que ele pode ser comprado! Então ele deve ir pra uma prateleira e ser categorizado. E, quando aparece algo que não se define, o sistema enlouquece! [risos] Porque não é compatível com a vida. O estilo da banda é o que queremos naquele período. A gente faz uma música pop, toca samba com rock, tem boi, maracatu... Essa é minha versão. Mas pode vir uma pessoa e dizer que temos um trabalho perfeitamente categorizável e tudo. Beleza, é outra versão. E as conversas vão acontecendo. Contudo, a gente não se IDENTIFIXA.
Como definir o estilo dos dois CDs?
Quaresma – O primeiro é mais um mosaico das canções que faziam sucesso nos shows da banda. O segundo foi planejado e construído com o tempo em que amadurecemos sua concepção. Há quem veja o primeiro como mais alegre e o segundo como mais triste, quando na verdade há os dois momentos em cada disco.
Thiago E – Eu já falei um pouco sobre isso na resposta anterior, mas tem mais coisas. Nossos 2 cd’s, PELOS PÁTIOS PARTIDOS EM FESTA |2007| e ALEGRIA GIRAR |2009| são diferenciados, principalmente, pela qualidade técnica. Além de inexperientes, tivemos problemas com o estúdio durante a gravação do 1º disco. E, tecnicamente, a qualidade do áudio saiu ruim. O estilo das músicas é basicamente o mesmo: a batida rock perpassa as canções, ritmos misturados, uma interseção com a poesia, um pouco do fazer da música brega também, etc. Percebo que tem músicas que poderiam ser trocadas de álbum e não alteraria seu conceito, pois temos essas característica de tocar músicas diferentes uma da outra e o cd parecer uma boa coletânea [risos]. Gosto desse comportamento nosso de transitar pelos gêneros. O estilo dos 2 cd’s não é IDENTIFIXADO [risos].
ALEGRIA GIRAR |2009|
Como você definiria, em relação a estilo, o público da banda?
Quaresma – Complicado dizer. Nosso público é novo e é maduro. Temos pessoas de todas as idades acompanhando o trabalho da banda. Imaginamos um público que anda muito ávido de consumir música piauiense por muito, muito tempo. Isso é bom para todos os artistas do estado.
Thiago E – Com uma música diversa, o público que se interessa pela banda também é diverso. Ficamos super felizes em ter agradado jovens e nossos amigos de universidade da mesma geração – que é a maior parte do nosso público – nossa família e vizinhos que não conseguiram ter uma escolaridade formal maior. E, ao mesmo tempo, professores acadêmicos que se divertiam e elogiavam nosso som, o que estávamos fazendo. Estamos conseguindo nos comunicar com muita gente. Conseguimos uma participação do grande ator e dublador Isaac Bardavid, de 80 anos!, e ele achou a música bonita. [risos] Até garantiu que participaria de outro trabalho! No começo de 2011, também visitamos o grande poeta e tradutor Augusto de Campos, também com 80 anos!, e ele disse que havia ouvido o disco ALEGRIA GIRAR e gostou – falou que fazíamos uma música com algo puro do Nordeste com uma pegada JimmyHendrixiana [risos]. Então, essa troca não tem preço! Só emoção feliz.
Em que rumo, se possível for falar disso, andam os projetos futuros da banda no que diz respeito, mais uma vez, ao estilo que vai ser produzido?
Quaresma – Não sabemos ao certo. Eu particularmente estou muito ansioso pelo próximo disco. É como se ele já estivesse em algum plano da existência só aguardando o momento certo para se materializar, canção por canção. Creio que ainda estaremos muito à vontade para experimentar misturas de estilos, andar pela poesia e dançar pelo cinema. O melhor da música é poder falar de tudo e encantar pelo som, pela imagem que as letras sugerem, e pelo ritmo. Quero me surpreender com o próximo disco.
Thiago E – Por enquanto, a gente pretende continuar se misturando, não se IDENTIFIXANDO. Temos muitos planos: mais parcerias com artistas que admiramos, músicas novas sendo feitas, novas idéias e idéias antigas que ainda não foram postas em prática, fazer mais clipes, cd novo, DVD, essas coisas boas. Acredito que nossa música permanecerá pop, com samba, o rock sendo o baldrame de tudo, e o mais que a gente venha a inventar. Mas, claro, tudo pode mudar.
31.08.11