quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

nosso clima de ano novo?!


As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

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------> "os ninguéns" - texto de Eduardo GALEANO.

nosso clima de natal


1ª questão)
Tsc + Tsc + Tsc = Não saberia definir o natal. Mas mora em mim a certeza de que todos ficam diferentes nesses dias.

2ª questão)
Uns empolgados + Outros revoltados
= Muitas-missas-festivas e Empurrão-no-papa.

3ª questão)
BOXE INTERNACIONAL!
Jesus X Papai Noel!
Vence quem sair vermelho e com o saco inchado!
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AH! Esse clima clericalíssimo! Dou vivas ao Mário Quintana!

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

ABZ do Rock - de Arnaldo Antunes


É muito difícil definir o rock hoje. Qualquer generalização classificatória parece insuficiente. O rock é um rio de muitos afluentes. Heavy rockabilly punk tecno hardcore pop rhythm and blues progressivo new wave psicodélico ye ye ye black metal and roll. Muitos grupos que se formam e/ou se extinguem diariamente. Fusões com reggae funk blues soul samba jazz. Nada disso satisfaz. Só uma coisa permanece e permite que continuemos chamando-o de. Uma coisa que não está no som. Está na sede.

O rock tem urgência de agora. Presentidade. Vitalidade que assassina a memória. Por isso é tão difícil catalogar. Dicionarizar. Compartimentar.

Ao mesmo tempo em que essa impossibilidade se exibe, sentimos que há uma tradição a não passar impune. Onde o passado vale por manter vivo o eterno presente. Só queremos que se faça uma cultura de rock no Brasil se for assim. Não para sedimentar, mas para clarear. Uma cultura que se mova com a mesma agilidade do seu objeto.

Acredito que esse álbum de retalhos verbetes lances insights drops, organizado pelo poeta Marcelo Dolabela, sobre o que houve/há por aqui, consegue isso. Não pelo poder paralisador da história, mas pela diversidade simultânea de seus agoras. Não pelo caminho em linha reta, mas pelo registro de seus desvios e fragmentos. Tentativa de fazer o possível, uma vez que o impossível é responsabilidade do som.

prefácio para o livro ABZ do rock brasileiro, de Marcelo Dolabela, Ed. Estrela do Sul, 1987

6. didascália


Foi Maria do Socorro Fernandes de Carvalho, a Só, que me falou a primeira vez em “didascália”. Comecei a entender o que era lendo “introduções” de poemas do século XVII que “explicavam”, “avisavam” o que iria acontecer, em seguida, no texto. Quando a canção Não quero te agredir apareceu, não tinha um título definido. Até que chegamos em De como um homem se zangou com a namorada e a mandou pra cidade ao lado da sua. Daí, começamos a falar de didascália... Meses depois, esse título virou uma trilha-avisozão-introdução-explicação para a canção “Não quero te agredir”.

Parceria com Quaresma, as vozes que cantam são do novo grupo vocal brasileiro “Monstros da Neblina” ou “Dragões da Névoa”, em homenagem ao “Demônios da Garoa”: Vazin, Quaresma e eu. Ou qualquer outra combinação na Validuaté: Júnior, Wagner e John; ou ainda: Vazesma, Johnago e Juniágner). Pode ser chamado também de “Trio Tapuru e Tu”, lembrando romântica e risonhamente do "Trio Irakitã", rs!

Um beijón, Só!

domingo, 6 de dezembro de 2009

5. a onda


Composição do Quaresma de batidas contínuas e cíclicas de círculos que envolvem o ouvinte movido de enlevação. O Vazin fez o rife da guitarratrilhademulhersensualdançandoemboateescuranopoledance. Sobre a faixa 5 deste disco, o poeta Manuel Bandeira disse:

A onda

a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda

Ainda ressalvou: “Vamos devagar. Não aderi à poesia concreta”. E proclamou uma eternidade: “... a poesia está em tudo - tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas".

4. plaina maravalha


Esse rockfunk é inspirado numa fotografia de Theda Bara – que vi num livro sobre paixão – e numa conversa de viagem indo para Oeiras com os amigos da Validuaté. Quaresma contava que ouviu do Seu Francisco Carvalho as expressões "maravalha" e "plaina". Ríamos e atraiu-me bastante as duas palavras conjuntas.

No Aurélio:
Plaina s.f. Instrumento de carpinteiro, para alisar madeira.
Maravalha s.f. Aparas de madeira; acendalhas; (fig.) bagatelas.
...não podendo assim ser ávida por outra coisa.

A composição saiu depois de juntar o lembrar de Theda Bara – a devoradora de homens dos anos 20 – Rilke e Tchekhov. Também homenagem a 3 amigos nossos: Mário, nosso colega misterioso; Dante Gomes Galvão, meu camarada historiador e cientista social de risada bonita que me apresentou “tataraneto do inseto”; e Beto, nosso amigo e desenhista rabiscante de artes gráficas-plásticas-visuais da Labigó!

3. eu só quero acabar com você


Mulher... Vingança! Fiz a canção ao cavaquinho, num quente domingo à tarde, com a presença da minha mãe, Neide. O enredo saía e eu pensava sobre os sentimentos no abandono. Arnaldo Antunes diria: “pessoa - pedaço de perda”. Mostrei a canção para minha mãe e perguntei: “E aí, mãe, falta alguma coisa”?! Ela disse: “põe aí pra quando ele for chegando na parada de ônibus, o ônibus dele tá passando... longe...”.

O rock pegou emprestado do samba sua tragédia de sangue. Mas a tristeza é aplacada pela vontade de vingança! Sobre a vingança, Jorge Mautner com Nelson Jacobina cantam: “A vingança é a origem das leis”. Vazin pôs peso de guitarra violenta, Júnior no baldrame harmônico, John endurece sem perder a ternura, Quaresma interpreta mui bem e Wagner imprime as linhas graves.

Traz uma cachaça pra ver se passa?! Cuidado! Se essa mulher tivesse no tempo do Código de Hamurabi... Olha o artigo 110 do Código:

110º - "Se uma irmã de Deus, que não habita com as crianças (mulher consagrada que não se pode casar) abre uma taberna ou entra em uma taberna para beber, esta mulher deverá ser queimada".

Deixa ver... Deixa ver... Podemos encerrar tratando da bíblia! Um provérbio bíblico alerta:

“É melhor morar com um leão e um dragão famintos do que com uma mulher malvada”.